Opinião
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“Supervet” e os ares da ria

Ao participar no Aveiro City Race, prova internacional, pontuável para o circuito europeu de orientação urbana, quase coloquei em causa esta definição, perante uma inusitada surpresa: o meu escalão aparecia designado como “Superveteran”.

Fleed

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Sempre relacionei o prefixo super a algo proeminente, grandioso, poderoso, superior ou para as bandas do cervejeiro. Contudo, ao participar no Aveiro City Race, prova internacional, pontuável para o circuito europeu de orientação urbana, quase coloquei em causa esta definição, perante uma inusitada surpresa: o meu escalão aparecia designado como “Superveteran”. Leram bem, não é erro de digitação, isto é estrangeiro puro e fica chiquérrimo. 

No entanto, raciocinemos. Haverá possibilidade de o berdadeiro orientista se encontrar tão bem cotado na IOF? Com que então, faço parte daqueles veteranos acima da média e não sabia? Provavelmente, a experiência acumulada dá direito a um título deste quilate. Enquanto cogitava, por pouco não me babava com a lisonja. Só que de repente, vacilei. Mas por que carga de água sou um super? Afinal, toda a gente conhece as minhas prestações medíocres. Ou não? 

- “Alto e pára o devaneio! Chega de disparates, seu maçarico! Tens conhecimento que super também se aplica a coisas excessivas, certo?” – Glup! Pois, entendi. Referem-se àquela chatice da idade, não é? - Desconfiei logo que a esmola era demasiada, mas enfim, já ninguém me tira aqueles segundos, em que o ego do berdadeiro andou a bater no tecto. Apesar da desilusão, acho que o termo me fica a matar. Uau! Superberdadeiro, que fino.

Aproveitei a circunstância de as partidas se situarem junto a um dos canais, para dar um par de vigorosas inalações de ar da ria (qual boxeur a fungar amoníaco), de modo a espevitar o suficiente, para aguentar um percurso de 6.300 metros em ritmo equilibrado, tentando não deixar ficar mal os gloriosos “supervets” nacionais.

A inexplicável ansiedade, causada no arranque de qualquer prova, continua a ser um dos mais arreigados adversários do berdadeiro. Para dar a volta a esta recorrente contrariedade, iniciei a cata aos 23 prismas que me calharam, alardeando uma rara calma, que resultou numa opção menos eficaz, na pernada do ponto de entrada.  

No momento pareceu-me o trajecto ideal, porém, ao sair do segundo ponto, dou de caras com um colega de clube e de escalão, que saíra dois minutos depois, fazendo-me suspeitar do acerto da primeira escolha. – “Arre Manel! Não queria pôr te a vista em cima tão cedo”. Fiquei na dúvida, se este atraso não se deveria também à debilidade da minha corrida. 

Acelerei o melhor que pude, de modo a não ser ultrapassado de imediato, mas conforme ia avançando, o homem nunca mais surgia na minha peugada, o que era um mistério. Infelizmente para mim, estas lides da orientação não dão azo a grandes mistérios – ou se lê bem o mapa, ou sai asneira. 

Viro à direita para uma zona de recta e vislumbro lá ao fundo da rua, o meu parceiro a desaparecer para a esquerda. – “Eh pá! O homem não passou por mim, caramba! E já vai a duzentos metros?”. Nem quis matutar no assunto, mas convenci-me que ele tinha apanhado boleia de alguma mota. Descortinam outra razão? 

Ao controlar o terceiro ponto, com um canal em linha de vista, decido parar uns momentos para me inspirar novamente nos ares da ria, pois as coisas não estavam a correr nada bem. Concentração e genica, precisavam-se urgentemente. 

Com o aparecimento de uma sequência de pernadas curtas, apresentando várias opções, exigia-se mais que nunca, uma eficiente interpretação do mapa, acompanhada de preferência, por céleres execuções. Creio que consegui em quatro pontos, acertar no melhor trajecto, apenas uma vez, desbaratando preciosos segundos. Depressa e bem, são predicados que o berdadeiro não tem. 

O ponto 7, localizado num terreno, com ervas pelas ilhargas, provocou mais um episódio de stress. Por acaso, utilizei o trilho dos companheiros anteriores, mas controlo “de grilo”. Puf! O prisma tinha desaparecido. Pensei que uma vez mais, o berdadeiro tinha sido vítima de um complô. Estava enganado. 

Apareceu um miúdo a gritar: - “The control has been stolen!”. Tenho uma vaga ideia, que me acompanhavam uns atletas com cara de anglo-saxónicos, mas não havia necessidade de tradução simultânea. Roubaram o ponto e pronto. Siga a prova - embora estas peripécias se comecem a tornar num mau hábito.

Oops! Qual fantasma, roça-me pelo ombro uma sombra meteórica, que identifiquei como sendo o meu amigo Nando, que naturalmente fazia o mesmo percurso. Ora bem, perante a ocasião, não hesitei. Baixei o mapa e calcorreei uns metros na sua “cola”, mas simplesmente até ao ponto seguinte (8). 

Não convinha abusar da batota, e francamente, para o acompanhar tive de me esgadanhar todo, não obstante a pernada ser das menos complicadas. Foi um acto efémero, só pelo prazer de perseguir um verdadeiro “supervet”. Como tal, sugiro que considerem esta confissão pública, uma contrição pelo pecado cometido (quem nunca pecou que atire a primeira pedra, hehe!), esperando que sejam discretos e não contem nada a ninguém.

A partir da oitava baliza, as pernadas sucederam-se, ora extensas, outras mais técnicas, algumas para “encher chouriços”, mas para vosso desapontamento, o berdadeiro, porventura motivado pelos ares da ria, não cometeu mais nenhuma gafe de orientação. Após análise exaustiva ao meu desempenho, devo congratular-me com o acerto demonstrado. Ainda assim, não julguem que foi tudo um mar de rosas.

De facto, na segunda parte da prova, efectuei uns percursos bastante atinados, no que a opções diz respeito. A grande pecha da minha prestação assentou essencialmente, no ritmo de passada que desenvolvi, fazendo lembrar o deslizar de moliceiro em promenade – uma lentidão confrangedora. 

O esforço que despendi para o ponto 15 - uns míseros 600 metros com ligeira inclinação – ao subir penosamente umas dezenas de degraus, quase me esgotava por completo (perdi dois minutos para o líder). Não fora a perseguição aos “laranjinhas”, conduzir-me diversas vezes às margens dos canais (contei uma mão cheia), onde os ares da ria me iam revigorando, não sei se o resultado não teria sido ainda mais desmoralizador.  

Tão depressa me sentia nas lonas, como rapidamente recuperava. Bastava uma passagem pelos canais e parecia outro. O calor e os quilómetros começaram a pesar com tal intensidade, que ao atacar o ponto 18, localizado na singular ponte circular do Botirão, por pouco não tombava com um ataque de ouras. Nessa altura, já nem os ares da ria surtiam efeito (viciei-me no “aroma”).

Os derradeiros pontos não entrarão na história, como também não irá fazer parte dela, a classificação do berdadeiro orientista, que realizando um desprestigiante tempo a rondar os 50 minutos, foi esmagado por um inglês voador – Quentin de sua graça. Este sim, um “supervet fórmula 1”, que perdurará nos anais com uns explosivos 27:37. 

Perante diferença tão acentuada, não caiam na tentação de menosprezar o comportamento do berdadeiro, porque ainda cometeu a proeza de bater alguns companheiros e afinal, todo este desiderato é fruto dos desígnios do Senhor. Pois se Ele pretendesse que o berdadeiro orientista voasse, ter-lhe-ia facultado asas.

 

Sempre relacionei o prefixo super a algo proeminente, grandioso, poderoso, superior ou para as bandas do cervejeiro. Contudo, ao participar no Aveiro City Race, prova internacional, pontuável para o circuito europeu de orientação urbana, quase coloquei em causa esta definição, perante uma inusitada surpresa: o meu escalão aparecia designado como “Superveteran”. Leram bem, não é erro de digitação, isto é estrangeiro puro e fica chiquérrimo. 

No entanto, raciocinemos. Haverá possibilidade de o berdadeiro orientista se encontrar tão bem cotado na IOF? Com que então, faço parte daqueles veteranos acima da média e não sabia? Provavelmente, a experiência acumulada dá direito a um título deste quilate. Enquanto cogitava, por pouco não me babava com a lisonja. Só que de repente, vacilei. Mas por que carga de água sou um super? Afinal, toda a gente conhece as minhas prestações medíocres. Ou não? 

- “Alto e pára o devaneio! Chega de disparates, seu maçarico! Tens conhecimento que super também se aplica a coisas excessivas, certo?” – Glup! Pois, entendi. Referem-se àquela chatice da idade, não é? - Desconfiei logo que a esmola era demasiada, mas enfim, já ninguém me tira aqueles segundos, em que o ego do berdadeiro andou a bater no tecto. Apesar da desilusão, acho que o termo me fica a matar. Uau! Superberdadeiro, que fino.

Aproveitei a circunstância de as partidas se situarem junto a um dos canais, para dar um par de vigorosas inalações de ar da ria (qual boxeur a fungar amoníaco), de modo a espevitar o suficiente, para aguentar um percurso de 6.300 metros em ritmo equilibrado, tentando não deixar ficar mal os gloriosos “supervets” nacionais.

A inexplicável ansiedade, causada no arranque de qualquer prova, continua a ser um dos mais arreigados adversários do berdadeiro. Para dar a volta a esta recorrente contrariedade, iniciei a cata aos 23 prismas que me calharam, alardeando uma rara calma, que resultou numa opção menos eficaz, na pernada do ponto de entrada.  

No momento pareceu-me o trajecto ideal, porém, ao sair do segundo ponto, dou de caras com um colega de clube e de escalão, que saíra dois minutos depois, fazendo-me suspeitar do acerto da primeira escolha. – “Arre Manel! Não queria pôr te a vista em cima tão cedo”. Fiquei na dúvida, se este atraso não se deveria também à debilidade da minha corrida. 

Acelerei o melhor que pude, de modo a não ser ultrapassado de imediato, mas conforme ia avançando, o homem nunca mais surgia na minha peugada, o que era um mistério. Infelizmente para mim, estas lides da orientação não dão azo a grandes mistérios – ou se lê bem o mapa, ou sai asneira. 

Viro à direita para uma zona de recta e vislumbro lá ao fundo da rua, o meu parceiro a desaparecer para a esquerda. – “Eh pá! O homem não passou por mim, caramba! E já vai a duzentos metros?”. Nem quis matutar no assunto, mas convenci-me que ele tinha apanhado boleia de alguma mota. Descortinam outra razão? 

Ao controlar o terceiro ponto, com um canal em linha de vista, decido parar uns momentos para me inspirar novamente nos ares da ria, pois as coisas não estavam a correr nada bem. Concentração e genica, precisavam-se urgentemente. 

Com o aparecimento de uma sequência de pernadas curtas, apresentando várias opções, exigia-se mais que nunca, uma eficiente interpretação do mapa, acompanhada de preferência, por céleres execuções. Creio que consegui em quatro pontos, acertar no melhor trajecto, apenas uma vez, desbaratando preciosos segundos. Depressa e bem, são predicados que o berdadeiro não tem. 

O ponto 7, localizado num terreno, com ervas pelas ilhargas, provocou mais um episódio de stress. Por acaso, utilizei o trilho dos companheiros anteriores, mas controlo “de grilo”. Puf! O prisma tinha desaparecido. Pensei que uma vez mais, o berdadeiro tinha sido vítima de um complô. Estava enganado. 

Apareceu um miúdo a gritar: - “The control has been stolen!”. Tenho uma vaga ideia, que me acompanhavam uns atletas com cara de anglo-saxónicos, mas não havia necessidade de tradução simultânea. Roubaram o ponto e pronto. Siga a prova - embora estas peripécias se comecem a tornar num mau hábito.

Oops! Qual fantasma, roça-me pelo ombro uma sombra meteórica, que identifiquei como sendo o meu amigo Nando, que naturalmente fazia o mesmo percurso. Ora bem, perante a ocasião, não hesitei. Baixei o mapa e calcorreei uns metros na sua “cola”, mas simplesmente até ao ponto seguinte (8). 

Não convinha abusar da batota, e francamente, para o acompanhar tive de me esgadanhar todo, não obstante a pernada ser das menos complicadas. Foi um acto efémero, só pelo prazer de perseguir um verdadeiro “supervet”. Como tal, sugiro que considerem esta confissão pública, uma contrição pelo pecado cometido (quem nunca pecou que atire a primeira pedra, hehe!), esperando que sejam discretos e não contem nada a ninguém.

A partir da oitava baliza, as pernadas sucederam-se, ora extensas, outras mais técnicas, algumas para “encher chouriços”, mas para vosso desapontamento, o berdadeiro, porventura motivado pelos ares da ria, não cometeu mais nenhuma gafe de orientação. Após análise exaustiva ao meu desempenho, devo congratular-me com o acerto demonstrado. Ainda assim, não julguem que foi tudo um mar de rosas.

De facto, na segunda parte da prova, efectuei uns percursos bastante atinados, no que a opções diz respeito. A grande pecha da minha prestação assentou essencialmente, no ritmo de passada que desenvolvi, fazendo lembrar o deslizar de moliceiro em promenade – uma lentidão confrangedora. 

O esforço que despendi para o ponto 15 - uns míseros 600 metros com ligeira inclinação – ao subir penosamente umas dezenas de degraus, quase me esgotava por completo (perdi dois minutos para o líder). Não fora a perseguição aos “laranjinhas”, conduzir-me diversas vezes às margens dos canais (contei uma mão cheia), onde os ares da ria me iam revigorando, não sei se o resultado não teria sido ainda mais desmoralizador.  

Tão depressa me sentia nas lonas, como rapidamente recuperava. Bastava uma passagem pelos canais e parecia outro. O calor e os quilómetros começaram a pesar com tal intensidade, que ao atacar o ponto 18, localizado na singular ponte circular do Botirão, por pouco não tombava com um ataque de ouras. Nessa altura, já nem os ares da ria surtiam efeito (viciei-me no “aroma”).

Os derradeiros pontos não entrarão na história, como também não irá fazer parte dela, a classificação do berdadeiro orientista, que realizando um desprestigiante tempo a rondar os 50 minutos, foi esmagado por um inglês voador – Quentin de sua graça. Este sim, um “supervet fórmula 1”, que perdurará nos anais com uns explosivos 27:37. 

Perante diferença tão acentuada, não caiam na tentação de menosprezar o comportamento do berdadeiro, porque ainda cometeu a proeza de bater alguns companheiros e afinal, todo este desiderato é fruto dos desígnios do Senhor. Pois se Ele pretendesse que o berdadeiro orientista voasse, ter-lhe-ia facultado asas.

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